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sábado, 23 de novembro de 2013

Espaço Crônicas 2: [ Damião Ramos Cavalcanti... Ivonita Di Concilio... Fábio Los Santos... Ciro Fonseca... ]







Espaço Crônicas







Máscara e Mascarados
Damião Ramos Cavalcanti
João Pessoa - PB

Quando criança, caro leitor, não adianta negar, a máscara nos fazia medo como cara aterradora. Mesmo se considerando fazer medo uma educação inadequada, havia quem, sem máscara, fizesse mogangas, trejeitos na cara para se parecer amedrontador, dizendo: "o bicho vai pegar"... E se colocasse máscara no rosto, pior do que a careta, escondíamo-nos por trás das portas abertas ou fechadas. Não é que, sensatamente, o medo não seja às crianças e aos adultos um sentimento útil. Na verdade, ele nos previne, avisa, prudencia e nos salva de certos perigos e daqueles que permanentemente "têm raiva do gênero humano"... Pela observação, também o medo nos ensina o conhecimento definido como "bom senso", o que falta a tanta gente no pensar, no dizer, no escrever e no agir... Contudo, desses mal-assombros não temos mais medo, já descobrimos que as máscaras não mentem, apenas os mascarados.

Na antiga Grécia, a máscara servia para identificar o personagem distante da plateia, dando-lhe características que o personalizavam no Teatro de Arena. Tal máscara se chamava "persona" que, em latim, significa pessoa, do que deriva "personalidade", o que faz o anônimo indivíduo da sociedade devir tal pessoa no grupo. Assim, um conhecido, que usa duas máscaras, sempre é diagnosticado como "indivíduo de dupla personalidade". A máscara do carnaval, ao contrário da "persona", não identifica, despersonaliza, faz do portador um desconhecido, escondendo-o no anonimato, para, durante o período momesco, como nos bailes de Veneza, usufruir de maior "liberdade de brincar", sem o reconhecimento da censura social. O Carnaval de Veneza tornou-se famoso pelo uso desse disfarce, fazendo daquele lugar a "cidade das máscaras". Aqui, na nossa terra, também se usa máscara durante o carnaval e ,fora dele,  nos crimes de roubo e assassinato ou quando um indivíduo sem caráter usa duas "personas", conforme sua conveniência, como nada de anormal estivesse acontecendo. Mas, fora disso, jamais se viu alguém andando pela rua disfarçado, em horas de trabalho ou de lazer.

Porém, temos lido nos jornais que, nas manifestações de rua, poucos "indivíduos", que deveriam se identificar no sentido ordeiro do seu protesto, escondem-se por trás da máscara para obter "liberdade" de tornar desordeira a manifestação: praticar quebra-quebra, tocar fogo nos carros, assaltar bancos e até destruir o patrimônio histórico, prejudicando os que, civil e dignamente, protestam. Sim, falta "bom senso" naqueles que acham que esses têm direito de usar máscara...










Cine - lembranças
Ivonita Di Concilio
São José - SC

Minhas lembranças de filmes remontam aos anos 40. Minha avó, Dona Mimo, frequentava o Cinema Castelo e, nas segundas-feiras, à tarde, era “Dia das Margaridas” – ou seja: as mulheres não pagavam. A imensa sala ficava lotada e os filmes eram de primeira qualidade, embora as sessões fossem gratuitas.

O Cinema Castelo ficava na Azenha, um ponto que mais parece um estuário, pois naquela área “deságuam” os bairros Partenon, Glória e Teresópolis e todas suas ramificações. Dadas as características, aquela grande construção com torres que lhe davam justiça no nome, reunia, nos dias das Margaridas mulheres e crianças da Zona Sul de Porto Alegre.

Lembro-me de alguns filmes em preto e branco, com o casal Jeanette MacDonald e Nelson Eddy – ela uma bela soprano e ele um tenor – como Primavera, Anne Marie, Casei-me com um Anjo, Soldadinho de Chumbo [ou Chocolate?]. Esses filmes, com enredos românticos e até dramáticos, eram entremeados com lindas músicas.

Mais tarde, meu maior divertimento aos domingos, ainda era o cinema. Com uma relativa liberdade, eu frequentava as matinês com minha turma do bairro – e a Lígia, minha irmã, a ‘tira-colo’. Dessa vez, era o Cinema Brasil, no Partenon. Sou daquela geração  que fazia uma algazarra antes do filme começar, subia para o andar de cima e jogava pipoca na galeria “lá de baixo”; e, quando era filme mexicano [e eram muitos], enxotávamos o condor que era símbolo da PELMEX, pois ele voava sempre, ou imitávamos os urros do leão da Metro.

Dessas molecagens guardo uma lembrança engraçada: o porteiro do cinema era conhecido do meu padrinho [pai adotivo] e, por consequência, eu era amiga dele. Com isso, algumas das minhas amiguinhas e eu entrávamos sem pagar “discretamente”. Na primeira vez, nós assistíamos o filme, mas depois...

Sentávamos ocupando uma fileira de cadeiras e, no correr do filme contávamos o que ia acontecer mais adiante – as primeiras da fila para as do outro lado. Quando o “lanterninha” procurava saber quem fazia a bagunça só encontrava um grupo ‘muito atento’ assistindo, comportado, o desenrolar do  filme. Das poucas arteirices da minha infância essa foi uma das mais marcantes. Cá pra nós: fui um tanto ‘cdf’.

Minha atração pelo cinema, portanto, começou muito cedo e só arrefeceu com o surgimento da televisão. Justamente, dessa época do Cinema Brasil, guardo os filmes com a linda Maria Félix e Pedro Armendariz.  Maclóvia deixou uma forte impressão na cena em que ela, morta por apedrejamento, era trazida pelo índio Armendariz  dentro de uma canoa coberta de flores, onde só aparecia seu rosto. Do filme, propriamente, não recordo nada. De outro, com a mesma  dupla, eu só lembro do detalhe de uma veneziana quebrada, por onde um raio de lua focalizava apenas os olhos de Maria Félix, enquanto os mariachis – liderados pelo “caudilho” apaixonado Armendariz – cantavam a Malagueña: “que bonitos ojos tienes...”. Foi outra dupla famosa dos anos 40/50.

Para quem não viveu esse tempo, Maria Félix, atriz mexicana era mulher do famoso compositor Augustinho Lara, seu eterno apaixonado e que lhe dedicou muitas músicas, entre elas a Malagueña e Maria Bonita. Foram tantos os filmes que eu assisti, por muitos anos e que eu jamais esquecerei. Reconheço que era um tempo onde a fantasia e o romance exerciam grande influência nas sonhadoras cabecinhas das jovens mal-informadas. Mas eram grandes produções, tanto que ainda hoje fazem sucesso. Quem deixa de assistir pela onésima vez “... E o Vento Levou”, ou “O Morro dos Ventos Uivantes”e o magnífico “O Maior Espetáculo da Terra”?. 

Outro que eu assisti, bem pequena ainda, foi O Ladrão de Bagdá, com o trigueiro Sabu. Com ele, outra beleza: Canção da Índia – sem dúvida, uma linda canção de fundo. Na década de 50, minha paixão voltou-se para Cornel Wilde, que protagonizou o Filho de Robin Hood, personalizou o compositor Fredèric Chopin, em:  À Noite Sonhamos, o sofrido marido da ciumenta Gene Tierney em Amar foi minha Ruína e outros que não lembro o nome. Ele era lindo e tinha uns olhos marotos...

Tive a felicidade de assistir os musicais da Metro, com Gene Kelly, Fred Astaire, Jane Powell, Mário Lanza, Julie Andrews,  Kathryn Grayson e  Howard Kell [outra dupla romântica por algum tempo]. Quando os revejo [Cantando na Chuva, por exemplo] sei que muitos jovens se identificam com alguns trechos, pois conta os primeiros tempos do cinema sonoro, com muita dança e muita música.

A Era de Ouro dos musicais nos trazia as melodias, cantores e orquestras esplêndidos que até hoje são ouvidos, não só pelos velhos saudosistas. Mesmo no cinema atual, os norte-americanos usam como fundos musicais já consideradas ‘antigas’ – a música nunca envelhece na realidade. 











Briga de escola
Fábio Los Santos
São Paulo - SP

Lembro-me muito bem de seu rosto repugnante. Ainda na terceira série tive que aturá-lo; folgado, sem educação e totalmente malévolo.

Sentava-se sempre do meu lado, pegava minha lapiseira preferida e minha borracha azul. Eu o odiava, mas sempre evitava confusões. Sempre que pensava em tomar alguma atitude, a voz de meu pai ecoava em minha cabeça:

- Se brigar na escola, vai apanhar em casa!

Certa vez estava eu entretido na aula de artes, fazendo o que mais gostava de fazer, desenhar. E todos os alunos da sala me pediam ajuda, pois eu era o mais hábil e criativo quando o assunto era arte. Maquinado com meu lápis [HB 20], e turbinado com minhas canetinhas coloridas, não tinha pra ninguém. Era um desenho atrás do outro, acho que naquele dia fiz o desenho de todos os meninos e meninas da sala, ou de quase todos... Quando terminava o último, chegou ele, o maldito Jean!

Eu estava sentado no chão, criando o último desenho para Rebeca, nossa como eu era 'caidinho' por ela... Deixei o dela por último, só  pra caprichar ainda mais e receber um beijo na bochecha, como ela sempre me dava...

Ele chegou por trás e pisou no desenho recém acabado, deixando a marca suja de seu tênis barato. Lembro-me muito bem do ódio inflamar em meus olhos. Rebeca olhou assustada eu me levantar e o empurrar.

Ele riu, riu de mim e acertou-me um soco no peito. Não sei como fiz àquilo, mas eu o fiz! Agarrei com afinco a cadeira de ferro e madeira que estava ao meu lado e, acertei-lhe uma cadeirada violenta na cabeça. Ele caiu cambaleando e chorou.

Lembro-me da cara de espanto de minha professora Eva, ele ficou boquiaberta com minha reação inusitada. Tomei uma advertência e minha mãe foi chamada a escola. Eva explicou o ocorrido para minha mãe, que ficou por entender e não contar ao meu pai.

Jean ficou apenas com um galo na cabeça, e nunca mais mexeu comigo... E Rebeca, ah, Rebeca... Depois de tudo, ela ainda me deu um beijo na bochecha...










A barata de Kafka
Ciro Fonseca
Rio de Janeiro - RJ

Hoje, aqui no Rio de Janeiro fez uma temperatura de 42º. Segundo o relato de um telejornal, a sensação térmica chegou ao absurdo de 47º a sombra. À noite, soprava uma brisa fresca vinda do mar, e de janelas do quarto abertas, estava repassando os meus 'e-mails', quando de repente entrou uma barata voadora bem em cima de mim. Claro que o susto quase me derrubou da cadeira que estava sentado. Eu até acho que é uma unanimidade nacional, o asco por baratas, e eu como não poderia deixar de ser, partilho deste sentimento como todo o mundo. Recobrado do susto inicial, apanhei uma vassoura e, destemidamente parti no encalço da barata em questão. Procura daqui, procura dali, e nada, a danada da barata simplesmente escafedeu-se. Claro, que sem achá-la eu não conseguiria dormir, muito menos a minha mulher, que só em falar em baratas se arrepia toda. Muni-me de uma lanterna e passei a procurá-la de baixo da cama, atrás do guarda roupas, e nada. Para encontrar uma barata não é preciso muita imaginação, em geral, ela que nos acha, exatamente como acontecido. Reparei que havia num canto, um jornal lido e esquecido por mim, apesar dos constantes avisos de minha mulher, para que eu apanhasse e guardasse. É claro que a barata havia se escondido ali, toda barata que se preze, adora jornais velhos.  Para pegar uma barata, existem dois procedimentos distintos. Um é chamar alguém que seja obediente e não tenha medo de baratas, o que já descarta a possibilidade de chamar a minha mulher, a outra é fugir covardemente e virar as costas para o problema. Como eu não sou homem de me acovardar, resolvi com todo cuidado levantar o jornal e, lá estava ela, com suas duas anteninhas vibrando e as suas perninhas serrilhadas tremendo de pavor. Confesso que cheguei a levantar a vassoura para acabar com aquele espécime nojento, mas os olhinhos assustados paralisaram meus movimentos. Meus pensamentos voaram para o livro "A metamorfose de Kafka", onde o personagem se transforma numa barata e em virtude disso, vivencia toda a experiência da existência deste inseto e o associa as angustias e sofrimentos do nosso mundo real e seus ideais libertários. Claro que não tive coragem de matá-la, e mais, como o personagem de Kafka, passei a raciocinar como ela, que abafada pelo calor insuportável que fazia em seu tranquilo bueiro, resolveu dar um rolé pela vizinhança, e acabou dando com os costados em meu quarto. Ela percebendo minhas intenções agora pacíficas, moveu suas anteninhas em direção a manchete do jornal que anunciava a prisão iminente dos mensaleiros. Satisfeita, sacudiu as antenas em aprovação, na certeza que por aqui as coisas estavam melhorando, alçou voo, e saiu pela janela aberta, rumo ao desconhecido.










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